Mostra de Tiradentes reafirma sua vocação para revelar talentos do cinema

INÁCIO ARAUJO
TIRADENTES, MG (FOLHAPRESS)

A seção Aurora foi o que levou Tiradentes a se tornar Tiradentes. Mostrando apenas os primeiros ou segundos filmes de jovens diretores, a Aurora revelou talentos centrais do cinema contemporâneo no Brasil. Nos últimos anos, o fogo criativo parece um tanto fraco, de modo que a Aurora já não é o centro dos acontecimentos na 28ª. Mostra de Tiradentes, e as sessões das 18h chegam mesmo a se tornar secundárias.

Dito isso, a estreia de Sergio Silva com “Nem Deus É Tão Justo Quanto Seu Jeans”, na noite de terça-feira (28), é a revelação de um talento. O argumento é simples: o depressivo Marcos tenta manter seu namoro com outro rapaz, mas sofre de alucinações com um antigo namorado, Pedro, já morto, cujo fantasma lhe aparece com frequência. Estamos nisso, quando sua irmã aparece e pede-lhe para ficar com sua cachorra, Baby, enquanto viaja em férias. Para resolver tantos problemas, ele conta com a ajuda de uma terapeuta que, francamente, não ajuda em nada. Baby, a quem se apegará, é que talvez possa salvar toda a situação.

Primeira observação: embora tenha no centro um personagem depressivo, Sergio Silva consegue fazer um filme leve e não raro cômico. Segunda observação: ele usa com perfeição Mariana Ximenes, ótima como a versão humana (e cantora de sambas-canção) de Baby. Terceira observação: Sergio Silva revela-se fortíssimo no uso das cores.

Em poucas palavras “Nem Deus É Tão Justo…” é um filme que contorna com imaginação as vicissitudes da produção, é bastante divertido, sintético (73 minutos apenas) e escapa com elegância o tão frequente mau gosto dos filmes queer. Pode-se esperar mais desse estreante.

“A Primavera”, de Daniel Aragão e Sérgio Bivar, exibido em seguida na seção Olhos Livres, espanta de início pela maneira como parece cortejar uma estética tipo Netflix, com o uso de uma insistente lente grande-angular apoiada por movimentos excessivos, para não dizer enjoativos. No mais, as peregrinações de um poeta nem tão talentoso assim por Recife lembram mais um folheto publicitário do que um filme em que transborda “a energia de Recife”, reivindicada pelos diretores durante a apresentação de seu filme.

Eles dedicaram a sessão ao ator Everaldo Pontes, que estava na platéia. Pontes foi, entre outros, o São Jerônimo do belo filme de Julio Bressane. Não merecia isso.

Dito isso, hoje é o dia da chamada Plenária do Fórum de Tiradentes, que foi planejado ainda durante o governo Bolsonaro, mas implementado já no governo Lula, como forma de cooperar na reinstitucionalização do cinema brasileiro. Chega ao seu terceiro ano sendo acompanhado pelo Ministério da Cultura , sobretudo pela Secretaria do Audiovisual, e pela Ancine. A Carta de Tiradentes, prometida ainda para esta quarta-feira, aparentemente tornou-se bem mais do que um exercício acadêmico.

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