Relatos de intolerância religiosa crescem no Rio em 2024

YURI EIRAS
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

A mãe-de-santo Fernanda Franco soube da depredação de seu terreiro no Maracanã, zona norte do Rio de Janeiro, através de um filho-de-santo na última segunda-feira (27). Ele passeava com o seu cão pela rua do centro de umbanda quando observou portões arrombados.

No local, membros do terreiro observaram uma imagem de Exu vandalizada, dois atabaques no chão e outros artigos religiosos despedaçados, como gamelas, quartinhas e alguidares.

“A gente tinha um espaço reservado para o povo de rua e Exus. Eles entraram, quebraram tudo e cortaram os dois braços de Exu”, afirma Franco.

Quatro aparelhos de ar-condicionado, duas geladeiras e 14 ventiladores foram roubados, além de televisão, computador, aparelho de micro-ondas e um fogão industrial.

Dois exemplares da Bíblia foram encontrados no terreiro: um teria sido deixado na cozinha e outro na entrada da casa.

Um folheto cristão, em formato de carta, também teria sido deixado. O documento apócrifo, popular entre cristãos e batizado de “Esta foi a sua vida”, conta a história de um homem que se arrepende, após da morte, de não ter aceitado a conversão à religião cristã em vida.

O caso da invasão ao terreiro foi registrada na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), que recolheu os documentos encontrados para perícia e busca imagens de câmeras de segurança.

A comissão de Combate às Discriminação da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), presidida pelo deputado estadual Professor Josemar (PSOL), afirma que também acompanha o caso.

No número 1746, central da Prefeitura do Rio de Janeiro que recebe relatos e denúncias enviadas pela população, o número de notificações sobre intolerância religiosa ou etnorreligiosa quase triplicou nos últimos dois anos. Foram 22 relatos em 2023 e 61 em 2024. O ano de 2025 teve um relato recebido até agora.

O número de casos pode ser maior, já que há outras formas de catalogar a denúncia de intolerância religiosa, como “preconceito racial ou religioso” e “casos de intolerância étnico-racial”.

A região da cidade com o maior número de casos é a zona norte, com 21 relatos em 2024, seguida pela zona oeste, que teve 15. São, historicamente, as áreas com o maior número de terreiros de umbanda e candomblé.

“A equipe da Coordenadoria de Diversidade Religiosa da Casa Civil é acionada pela Central 1746 e entra em contato com a vítima para fazer um entendimento sobre o chamado e caracterizar que se trata mesmo de intolerância religiosa. Se confirmada, agendamos com a vítima na Decradi para fazer o registro de ocorrência e acompanhamos”, afirma Leandro Matieli, secretário municipal da Casa Civil, órgão responsável pelo número de denúncias.

O ISP (Instituto de Segurança Pública) compila em um mesmo dado registros de ocorrência sobre preconceito de raça, cor, etnia, religião e LGBTfobia. Foram 890 vítimas em 2023, em todo o estado. O instituto ainda não divulgou os dados de 2024.

O governo do estado também tem um número gratuito para acolher denúncias de intolerância religiosa, o Disque Cidadania (0800 023 4567). Os relatos são recebidos pela secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos.

“Quem nunca sofreu intolerância religiosa ou racismo pode não ter ideia, mas é um luto quase maior do que a morte, pois te mata por dentro”, afirma Fernanda.

As casas de umbanda na região da zona norte estariam sendo invadidas, segundo responsáveis pelos espaços, desde o fim do ano passado.

Um pai-de-santo, dono de um centro espírita no bairro do Engenho Novo, afirma que teve sua casa depredada no fim do ano passado, com imagens de santos jogadas ao chão e atabaques furados. A administradora de outro terreiro no Andaraí diz que seu espaço foi invadido e roubado em dezembro.

Os dois casos não foram registrados na polícia. Os religiosos não quiseram ser identificados.

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