Estudo da prefeitura contraria Nunes e aponta que retirar famílias de área alagada é opção mais cara

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TULIO KRUSE E LUCAS LACERDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Estudos da Prefeitura de São Paulo indicam que a solução apontada como a principal opção pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) para resolver os alagamentos no Jardim Pantanal -a remoção das famílias que vivem na região- custaria mais do que a construção de diques ou de adaptações da área do tipo cidade-esponja.

Segundo comunicado divulgado na manhã desta terça-feira (4), o custo de remoção é estimado em R$ 1,92 bilhão. Isso é mais do que a obra que resolveria os alagamentos, que segundo declaração do prefeito, ficaria em R$ 1 bilhão.

O estudo da Siurb (Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras) aponta que seria necessário retirar entre 36 mil e 56 mil pessoas que vivem no local, a um custo que varia de R$ 1,68 bilhão a 1,92 bilhão.

A alternativa de remoção vem sendo apontada por Nunes nos últimos dias, após novos alagamentos no Jardim Pantanal, na zona leste da cidade, bairro localizado em uma área de várzea do rio Tietê e conhecido pelas enchentes frequentes.

No comunicado, a prefeitura diz que estuda três opções para solucionar a questão, que se arrasta por décadas. Uma delas é de macrodrenagem, com a construção de um dique, sete reservatórios, um parque e um canal de 5,5 km para desviar a água da chuva.

Junto com a remoção de 484 famílias, o conjunto de medidas custaria R$ 1,02 bilhão -próximo, assim, ao custo de R$ 1 bilhão citado por Nunes.

A segunda opção contemplaria a construção de um canal, a abertura de lagoas de acumulação de águas, a reversão do fluxo do Tietê e desapropriações. A alternativa é chamada de “ações intermunicipais integradas para o controle de inundações Cidade-Esponja Pantanal” e seria dividida com a cidade de Guarulhos. O investimento previsto é de R$ 1 bilhão, e nenhuma família precisaria ser removida.

Já a remoção e desapropriação de imóveis no local custaria até R$ 1,92 bilhão. “Com custo estimado de R$ 1.918.192.500, a terceira possibilidade tem como foco remoções e desapropriações, reassentamentos, construção de novos conjuntos habitacionais e a criação de parque alagável.”

Na segunda-feira (3), Nunes havia dito que incentivaria que moradores do Jardim Pantanal deixassem o local.

“Toda vez que chover, vai acontecer isso. […] É praticamente impossível você querer ir contra a força da natureza”, disse. O prefeito afirmou até haver um pré-estudo para fazer um dique na área, mas que custaria quase R$ 1 bilhão. Por isso, “não dá para fazer”.

Já nesta terça, Nunes disse que a prefeitura ainda não definiu qual será o projeto escolhido. Segundo ele, qualquer opção deve significar longas obras. A prefeitura não dará início a nenhuma intervenção no local antes do fim da estação de chuvas em março.

“A gente vai continuar estudando, mas não é algo que a gente precisa correr hoje [para resolver] porque nenhuma decisão do Tarcísio e minha hoje, do ponto de vista da questão mais ‘macro’, vai ser possível de acontecer para uma solução até o final de março”, disse o prefeito.

Nunes também afirmou ter ficado preocupado ao saber que há moradores que pagam aluguel para morar em áreas de ocupação irregular. Ele disse que esse fato, além da situação de vulnerabilidade social como um todo no Jardim Pantanal, faz com que a solução seja ainda mais complexa.

Presente em cerimônia para a chegada da tuneladora da linha 6-laranja de metrô à Brasilândia, na zona norte, o prefeito afirmou que o projeto para a região terá apoio do governo estadual.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), em entrevista coletiva ao lado de Nunes, pregou cautela para escolher o projeto, uma vez que obras pontuais poderiam agravar alagamentos em outras regiões, inclusive outros municípios da Grande São Paulo.

“É um problema que já vem de muito tempo, e a gente tem que realmente ir para a prancheta para estruturar uma boa solução, não é uma solução fácil”, disse Tarcísio. “Se você perguntar hoje qual é a solução, não sei te dizer. Gostaria muito de ter essa solução.”

O governador adiantou que, independentemente da escolha do projeto, provavelmente será uma obrancara e demorada.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, uma obra de drenagem para amortecer as cheias do rio Tietê no extremo leste de São Paulo deveria ter sido entregue em setembro de 2023, mas sucessivas suspensões do contrato paralisaram a execução por mais de um ano e a intervenção ainda não foi concluída.

A construção do pôlder da Vila Seabra foi anunciada pela gestão Nunes no início daquele ano como uma das principais ações no combate às enchentes na área.

O prefeito disse ainda nesta terça que, mesmo se já estivesse construído, o pôlder não resolveria o alagamento na área mais afetada pelas últimas chuvas no Jardim Pantanal.

Procurada, a gestão Ricardo Nunes reiterou que as alternativas estão em estudo. “O documento citado deve ser compreendido como um estudo preliminar dessas alternativas para drenagem e atendimento social na região. Não se trata, portanto, de um projeto básico ou funcional de engenharia. A prefeitura segue concentrando esforços em medidas emergenciais na região do Jardim Pantanal após as fortes chuvas do fim de semana.”

A prefeitura não disse se haverá remoções na alternativa da cidade-esponja nem especificou se a solução prevê custos apenas para intervenções em São Paulo ou também em Guarulhos. Não respondeu também sobre qual é a estimativa de pessoas considerada para remoção na alternativa de remover as famílias e transformar o local em um parque alagável.

Para o professor Anderson Kazuo Nakano, do Instituto das Cidades da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), as informações apresentadas pela prefeitura são vagas, e não há informação objetiva sobre os locais das intervenções e sobre a população impactada.

“Soltar um material desse, informando que vai ter uma remoção de dezenas de milhares de pessoas, é uma leviandade, uma irresponsabilidade. Soltar uma informação desse jeito é o fim da picada. Antes não disponibilizasse”, disse o pesquisador.

“E por que você vai remover 11 mil pessoas de uma área não alagável? Se não é alagável, por que você vai remover? Esse tipo de material suscita mais perguntas do que conclusões.”

Uma nota assinada pelas organizações Greenpeace Brasil e Rede por Adaptação Antirracista divulgada nesta terça critica as posições de Nunes e do vice-prefeito, coronel Ricardo Mello Araújo (PL), sobre a remoção de famílias.

“É injusto e violento optar por remover as pessoas do seu território por causa das chuvas, ao invés de investir em obras de prevenção e sistemas de drenagem no local. A situação das enchentes no Jardim

Pantanal é histórica, assim como a negligência do poder público com as famílias que moram naquele território há mais de 40 anos”, afirmou Rodrigo Jesus, do Greenpeace Brasil, no comunicado.

Os grupos defendem a adoção de medidas de um plano elaborado pelo Instituto Alana, que realiza projetos no bairro há 30 anos, e pelo departamento de São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil, como a recuperação de mata ciliar do Tietê e a criação de pavimento permeável e biovaletas.

AS MEDIDAS ESTUDADAS PELA PREFEITURA

Alternativa 1: obras de macrodrenagem
– Intervenções na bacia hidrográfica do Água vermelha, Lajeado e São Martinho
– Dique com 6,5 km de extensão
– 7 reservatórios do sistema pôlder, com capacidade para 50 milhões de litros de água
– Criação do Parque Várzeas do Tietê, com área de inundação e ciclovia integrada ao sistema de pôlderes
– Canal com 5,5 km de extensão, vai desviar água da chuva e reduzir risco de deslizamento e erosão
– Desapropriações em uma área de 250 mil m², com remoção e reassentamento de 484 famílias
Custo das obras
– Pôlderes, diques, canal de circunvalação e galerias: R$ 886,2 milhões
– Desapropriações: R$ 21,43 milhões
– Compensações ambientais: R$ 7,8 milhões
– Reassentamento em habitações de interesse social (R$ 210 mil cada família): R$ 101,64 milhões
– Aluguel social de R$ 600 mensais por 24 meses para as 484 famílias: R$ 6,97 milhões
– Total previsto de R$ 1.024.039.600
Alternativa 2: técnicas de cidade-esponja em São Paulo e Guarulhos
– Canal de transbordo com margens em geobags (bolsas com terra ou outros materiais de solo) de 1.750 m de extensão, 55 m de largura e 3 m de altura
– Avenidas-parque com dique de proteção nas duas margens
– Dique de proteção
– Alteamento de 1.235 metros de vias em Guarulhos
– 6 acessos para manutenção e limpeza (3 em São Paulo, 3 em Guarulhos)
– 3 sistemas de comportas automatizadas
– 4 áreas de lazer distribuídas em 45,4 mil m²
– 2 reservatórios (43 mil m³ e 11 mil m³)
– Custo estimado da obra: R$ 1.309.398.719,95
Alternativa 3: remoção das famílias e criação de parque alagável
– Remoção de 25.448 pessoas de área alagável, segundo dados do IBGE de 2022
– Remoção e reassentamento em habitação de interesse social de 11.089 pessoas em área não alagável, segundo dados do IBGE de 2022
– Remoção pode ser de 36,5 mil pessoas, segundo os dados do IBGE, ou de até 56 mil pessoas, segundo estimativas de um projeto da Sabesp com o Instituto Alana para regularização de abastecimento de água na região
– Custo estimado das intervenções: R$ 1.918.192.500 considerando o número da população apontado pelo IBGE, ou de R$ 1.680.000.000, considerando a população na área segundo dados do Instituto Alana e da Sabesp

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