O que os evangélicos querem na política?

O movimento evangélico começou a se organizar política no Brasil nos anos de 1990. Nesse período já haviam parlamentares evangélicos mesmo na Constituinte e também na ditadura militar, mas o movimento não tinha um projeto de poder e as representações eram mais focadas em pautas municipalistas. A pauta de costumes não tinha muito espaço e também não ganhavam notoriedade como acontece hoje em dia.

A organização política começou com a Igreja Universal do Reino de Deus, que começou a se organizar como um partido político. A igreja, que foi fundada e é comandada pelo Bispo Edir Macedo, tinha na sua cúpula bispos de confiança de Macedo, eles é que indicavam os candidatos sem participação dos féis. A escolha dos candidatos era baseada na quantidade de eleitores, membros da igreja, havia em um determinado estado ou cidade. Essa organização se tornou mais simples depois que a igreja estruturou seu próprio partido, o PRB, que atualmente se chama Republicanos. Os candidatos escolhidos pela cúpula da igreja eram aqueles que tinham o melhor desempenho em gerar emoções e se conectar emocionalmente com a comunidade.

A bancada evangélica amadureceu muito dos da década de 90 até este momento. Os discursos ficaram menos focados como aborto e ganharam uma roupagem mais protocolar do parlamento se utilizando de uma imagem que ressoasse mais coerente em um determinado contexto.

A tese de doutorado da professora e psicóloga  Bruna Suruagy, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, observou a relação entre religião, política e a reação ideológica da bancada evangélica. Na tese ela conta que a Igreja Assembleia de Deus, que sempre teve uma representação grande no Congresso, começou a usar a Universal como modelo . Por outro lado a denominação tem muitas dissidências e muitas divisões internas, diferente da igreja comandada por Macedo e por isso não tem decisões hierarquizadas. O comando da Assembleia não tem muita força e por isso eles acabam fazendo prévias eleitorais. Os possíveis candidatos se apresentam voluntariamente ou indicados sobre a justificativa de que foram escolhidos por Deus.

O grupo nunca foi homogêneo. Neste ano, na eleição para a liderança da bancada ocorreu um racha entre os parlamentares. O deputado Gilberto Nascimento (PSD-SP) foi eleito e tinha apoio da ala bolsonarista. Ele disputou a eleição contra Otoni de Paula (MDB-RJ) que se afastou do ex-presidente Jair Bolsonaro e era tido como próximo do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Mesmo assim a bancada é bem articulada e consegue se movimentar bem no Congresso para atuar em questões fiscais, para benefício das suas respectivas igrejas; sobre alvarás, doação de imóveis, mudança do perfil jurídico de eventos evangélicos para que eles sejam beneficiados pela Lei Rouanet, por exemplo e também questões que vão de encontro a mudanças e exceções na lei do silêncio. Sobre esses temas eles atuam de forma articulada. Na votação da regulamentação da Reforma Tributária, por exemplo, a inclusão de uma emenda apresentada pela bancada evangélica, ampliou-se ainda mais a isenção de tributos para entidades religiosas.

Em 1980, os evangélicos eram 6,6% da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000, o número passou a 15,4%. Em 2010, somavam 22,2% dos brasileiros. Segundo dados do instituto Datafolha, em 2022 26% da população se declarava evangélica, ou seja, 55,2 milhões de pessoas

Entre os brasileiros religiosos, os evangélicos se destacam como os que mais frequentam cultos e contribuem financeiramente com suas igrejas. De acordo com o Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), 83% dos evangélicos participam regularmente dos cultos, em contraste com 36% dos católicos e 49% dos espíritas. Já uma pesquisa do Datafolha revela que 89% dos evangélicos pentecostais realizam doações financeiras à igreja de forma regular, superando os espíritas (44%), os católicos (75%) e os umbandistas (58%).

Todos esses dados estão nas mesas das igrejas evangélicas que estão envolvidas em um projeto de poder amplo. Desde o início do governo Bolsonaro a bancada evangélica ganhou força e se tornou cada vez mais pragmática. Desde está época percebe-se que a banca evangélica está ligada ao Centrão, grupo de parlamentares do Congresso Nacional que são mais pragmáticos, de direita e que comandam as decisões no Congresso.

O projeto de poder da bancada evangélica já é algo consolidado e pensado de maneira profissional e a longo prazo. Após Jair Bolsonaro assumir a presidência da República, a bancada se sentiu à vontade em propagar as pautas da agenda de costumes e colocar esses temas na pauta do Congresso Nacional. O exemplo mais absurdo do tema foi a apresentação de um projeto de lei que equiparava o aborto ao crime de homicídio, fazendo com que a pena para uma mulher que abortasse após as 22 semanas fosse maior do que a pena pelo crime de estupro.

A Proposta de Emenda à Constituição foi apresentada pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), pastor e membro da bancada evangélica. O projeto teve origem no Conselho Federal de Medicina (CFM) e foi acolhido pelo bancada após o ministro Alexandre de Morais suspender resolução que proíbe médicos de realizarem a chamada assistolia fetal, método indicado pela Organização Mundial da Saúde e pela Confederação Internacional de Ginecologia para realização de abortos após as 22 semanas de gestação.

Ainda nesse movimento crescente da bancada evangélica, as ações são bastante embasadas na chamada Teologia do Domínio que diz que ao longo do tempo, no planeta Terra, o cristão perdeu o domínio sobre Sete Montes. E precisa conquistá-los para reconstruir o planeta com base nos valores cristãos, para prepará-lo para o retorno de Jesus Cristo. Esses Sete Montes são: “Família, Religião, Educação, Mídia, Lazer, Negócios e Governo.

A teologia do domínio usa um texto base do livro bíblico de Gênesis que está no contexto da criação. “Sede fecundos, multiplicai-vos e subjugai a terra”. Os adeptos dessa teoria argumentam que o domínio é um mandato divino, mas evidentemente esse mandato divino para o domínio da terra não é destinado para um classe especial de seres humanos ou a uma classe religiosa, mas um mandato a todos a humanidade criada à imagem e semelhança. Em segundo é um mandato que não visava um governo de um estado ou nação, mas é um mandato que implica responsabilidade sobre toda a natureza criada, ou seja, não é sobre o Brasil ou qualquer outra nação. Outro aspecto é a própria ideia de domínio, porque o domínio do Gênesis não é na perspectiva autoritária de exercer controle. O dominar que o movimento evangélico aderiu da teologia do domínio preza por um controle que instrumentaliza a coisa controlada e que abusa da coisa controlada em benefício de quem controla, por outro lado o dominar de Gênesis é traduzido em dois verbos, cultivar e cuidar, não é sobre controle.

O cientista político e escritor português, João Pereira Coutinho escreveu que não cabe ao estado querer governar a alma dos homens, não cabe legislar ou o Estado impor uma lógica religiosa, porque a religião é uma questão de consciência e na questão da consciência o indivíduo é soberano. Ele ainda afirma que a política deixou de

Não cabe o estado querer governar a alma dos homens não cabe legislar o estado impor uma lógica religiosa porque a religião é uma questão de consciência e na questão da consciência o indivíduo é soberano de consensos entre visões distintas do bem comum e passou a ser um tribunal  onde os pecadores devem confessar seus pecados.

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