Livro revela a história dos 170 militares e agentes que torturaram presos na ditadura militar

Os militares players da tortura agiam por conta própria? Não, é claro. Eles receberam salvo-conduto — orientações e treinamento para massacrar e, até, matar presos políticos — de seus comandantes.

Na ditadura civil-militar, notadamente no governo do presidente e general Emilio Garrastazu Médici, entre 1969 e 1974, as ordens vinham de cima.

Mas claro que, no momento da tortura, com autonomia para trucidar, militares, os mais sádicos, extrapolavam. Muitos talvez nem estivessem mais em busca de informações. Talvez sentissem prazer ao vilipendiar o corpo de pessoas indefesas. Ainda assim, e isto é relevante, eles tinham autorização, do poder público, para fazer o que faziam. Quanto será que o poder público, com dinheiro do contribuinte, gastou para “formar” torturadores no Brasil e, até, no exterior?

Há várias obras sobre a guerrilha urbana e rural, nas quais se conta, em parte, a história de alguns torturadores “profissionalizados” pelos governos militares, notadamente o de Costa e Silva e o Médici, os dois mais cruentos da ditadura.

Brilhante Ustra: o militar é apontado como um dos torturadores | Foto: Reprodução

Mas faltam livros específicos sobre torturadores — os “perpetradores”. A Editora Alameda lança um livro que começa a suprir a lacuna.

“Torturadores — Perfis e Trajetórias de Agentes da Repressão na Ditadura Militar Brasileira” (300 páginas), de Mariana Joffily, brasileira, e Maud Chirio, francesa, é o que as historiadoras chamam de “proposografia: uma biografia coletiva, o perfil de um grupo social”(conforme Fabio Victor, da “Folha de S. Paulo”, sexta-feira, 21).

A obra resulta de uma pesquisa exaustiva de 14 anos. Não foi fácil, mas as pesquisadoras conseguiram construir a história dos militares e agentes civis que se especializaram em torturar e, mesmo, matar.

Na capa do livro aparecem Carlos Alberto Brilhante Ustra (na tortura, Tibiriçá), Paulo Malhães — na época, os dois eram majores, depois foram promovidos a coronel — e o capitão André Leite Pereira Filho. Este, aparentemente, menos conhecido.

Brilhante Ustra, Paulo Malhães e André Leite estão tomando bebida alcoólica, numa sala do DOI-Codi, em São Paulo.

De acordo com a “Folha”, “o que as interessou [às historiadoras], observa Marina Joffily, foi justamente mostrar aqueles três homens — acusados de crimes bárbaros — numa situação descontraída, tomando uma cervejinha e proseando tranquilamente ‘dentro de uma sala que foi um dos grandes centros de tortura do país’, em contraste à ideia clássica de porões da ditadura. ‘[É um modo de mostrar], olha, isso aqui era uma tarefa cotidiana. São servidores públicos no desempenho do seu trabalho’”.

Na verdade, a história dos porões é um mito. Não existiam porões. Os centros de tortura, com funcionários pagos pelo Estado, se tornavam repartições públicas. Então, o termo “porão” precisa ser deixado de lado, pela imprecisão.

As pesquisadoras chegaram a uma lista de 170 torturadores, “três quartos de militares do Exército e o restante de civis ou outros militares que colaboraram com eles”. Entre os civis se destacou o delegado Sérgio Paranhos Fleury (cooptador do Cabo Anselmo), da Polícia Civil de São Paulo, mas atuante em vários Estados, como Rio de Janeiro e Pernambuco.

Em Goiânia, Hugo Brockes foi barbaramente torturado por um major que chegou a dirigir a Polícia Federal. No dia do casamento do militar, no lugar de curtir a lua de mel, voltou ao quartel para torturar o publicitário e, mais tarde, escritor.

Eunice Paiva e Rubens Paiva: vítimas do cruento governo de Emilio Médici | Foto: Arquivo da família

O mesmo militar que torturou Brockes — vivo, com 88 anos — é suspeito de ter articulado o assassinato do adolescente Marco Antônio Dias Baptista, irmão do jornalista Renato Dias e do advogado Ricardo Dias. Consta que o então capitão era brutal. É possível que também tenha participado do massacre de guerrilheiros do Molipo, no Sudoeste de Goiás.

O militar era tão ousado que teria grampeado os aposentos de um governador goiano indicado pelo regime militar, na década de 1970. Era um homem da linha dura do Exército.

A pesquisa de Mariana Joffily e Maud Chirio relata que, na tortura, a força armada predominante era o Exército. Os homens de verde perpetraram, por exemplo, o massacre de membros da Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974. As pessoas já estavam presas, mas os militares receberam ordens de Brasília para não levarem prisioneiros. Mataram todos, como a guerrilheira Dina.

Paulo Malhães: coronel que participou da operação para desenterrar o corpo de Rubens Paiva da praia do Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, e o jogou num rio | Foto: Reprodução

Um dos capítulos do livro, o quinto, mostra 20 oficiais que articularam a criação do DOI-Codi de São Paulo e Rio de Janeiro — mecas, por assim dizer, da tortura e assassinatos de guerrilheiros e de meros oposicionistas, como Rubens Paiva. (Leia mais a respeito da morte do empresário: https://tinyurl.com/y4md2379).

O ex-deputado federal do PTB, que não era membro de nenhum grupo guerrilheiro, foi massacrado no DOI-Codi do Rio de Janeiro. Os indefectíveis oficiais do Exército Freddy Perdigão e Paulo Malhães, torturadores do primeiro time, estavam lá. Entre outros.

Brilhante Ustra, como o próprio nome praticamente indica, era a estrela dos torturadores, mas não o único, claro. Ailton Guimarães (Capitão Guimarães, figura estelar do jogo do bicho, era professor de tortura) e o mais tarde general José Antônio Nogueira Belham operavam no DOI-Codi do Rio de Janeiro. Mesmo avisado da barbárie que estava acontecendo — Rubens Paiva foi massacrado —, Belham decidiu não estancá-la. O pai de Marcelo Rubens acabou morrendo.

As historiadoras registram que a maioria dos perpetradores “eram jovens oficiais oriundos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme)”.

Mariana Joffily e Maud Chirio concluíram que “o pilar central da repressão na ditadura foi a constituição de um grupo de especialistas formados em técnicas de inteligência e teoria contrarrevolucionária, em sua maioria do Exército”.

Exemplo de sucesso em tortura, o Brasil dos militares se tornou modelo para as demais ditaduras da América do Sul.

[Leia mais sobre outro livro de Maud Chirio (https://tinyurl.com/3fzj8jx4 ).]

(Email: [email protected])

O post Livro revela a história dos 170 militares e agentes que torturaram presos na ditadura militar apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.