“A prefeitura não quer fazer nada”

Minha vida de escrevinhador começou no tempo em que eu ainda cursava Letras na antiga Universidade Católica de Goiás. Minha primeira matéria foi publicada na revista “Leia Brasil”, cuja existência foi curta como o tempo de vida de uma borboleta. Cupim foi o assunto abordado. Não recebi nenhum cascalho por sua realização. Foram poucas edições. Uau! Foi muita a minha embriaguez de vaidade em ver meu nome estampado na página de uma revista. Me senti importante. Isso, de certa forma, tem a ver com o que disse o grande craque Rubem Braga em sua crônica “O Padeiro”: “E às vezes me julgava importante porque o jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome”. Toda escriba que se acha demais deveria ler tal crônica.

No tempo em que já trabalhava como escrevinhador, eu nunca quis atuar em editoria de política. Fui aconselhado por um colega de redação (que se julgava medalhão) a me silenciar como cronista e passar a escrever sobre política. Segundo ele, que se julgava saber javanês, assim eu me tornaria respeitado e, consequentemente, até conseguisse ser nomeado para algum cargo público. Seu conselho para mim foi uma semente chocha.

As palavras, dentro das matérias políticas, muitas vezes não têm liberdade para voar como ocorre no mundo das crônicas; elas, muitas vezes, passam por cabresto. Muitas vezes, colidem com determinadas conveniências. Os adjetivos, muitas vezes, são criados sob encomenda. Depois que enviei, via e-mail, a crônica “O Padeiro” ao tal medalhão, recomendando-lhe uma leitura minuciosa do texto, ele fechou a cortina dos seus olhos para mim. Felizmente não perdi o sono por isso.

Ele, inclusive, se deu bem em sua ardilosa maneira de escrever. Vive a lamber botas, porém (certamente) se reconforta com sua algibeira bem nutrida; quanto a mim estou lambendo sabão, todavia me reconfortando com o fato de não estar colocando o bumbum da minha alma à venda. Tenho medo de olhar no espelho e encontrar um sujeito sujo da lama da bajulação. Em “O Príncipe”, Maquiavel (3/5/1469 – 21/6/1527) chamou os bajuladores de “peste” e recomendou os governantes a mantê-los bem longe. Já Erasmo de Roterdã (28/6/1466 – 12/7/1536) os chamou de “praga”.

Falando em sujeira (no caso a física), o título desta crônica foi retirado de uma matéria publicada no jornal Cinco de Março (hoje Diário da Manhã) em novembro de 1959. Na verdade, o texto está mais para uma nota. Além de denunciar a quantidade de lixo em Goiânia, há também a denúncia de carros sendo lavados em vias públicas gerando um rebuliço enorme, o qual conhecemos bem nos dias de hoje. Jaime Câmara, um dos fundadores de O Popular, era o prefeito na época. Já, numa matéria de 1961, o assunto lixo continua, e o prefeito era Hélio Seixo de Brito: “GOIÂNIA AINDA BATE ‘RECORD’: SUJEIRA”.

Hélio, nas primeiras linhas, é elogiado como bom médico, honesto, mas, no final, veio o açoite: foi chamado de incompetente enquanto prefeito. Quem achar que estou viajando, que vá à hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, disponibilizada ao público em 16 de agosto de 2021, pelo competente promotor e historiador Jales Mendonça Machado. Ao criar a hemeroteca, ele impediu que as traças devorassem centenas de jornais de inúmeras cidades e assim uma parte preciosa da história da imprensa em Goiás fosse para o beleléu.

A gestão de Sandro Mabel ainda está engatinhando, nem três meses tem. Subjetivamente, algumas pessoas estão encontrando motivo para apedrejar a gestão atual; fato que é compreensível, haja vista que o viés da crítica é de cunho político. Enfim, é algum descontentamento de ordem pessoal. Há também precipitação nos elogios por parte de alguns. Afinal, como foi já foi dito, a gestão está caminhando para 90 dias. Fosse nos dias de hoje, o título deste texto não refletiria o momento atual. O prefeito, faz-se necessário reconhecer, tem percorrido toda cidade, buscando sensibilizar pessoas a se envolverem na limpeza da cidade. E mais que isso: tem agido.

Esses oito pontos provisórios, instalados em oito setores de Goiânia para recebimento de descartes de resíduos diversos, explicita a vontade política da gestão em dar fim a esse problema tão sério que se arrasta há décadas. A cidade exige urgentemente a construção de mais ecopontos. O ex-prefeito Rogério Cruz alardeou que construiria 20 até no final de seu governo, mas só ficou em três, os quais estavam no plano de ação do ex-prefeito Iris Rezende. Outra necessidade urgente é intensificar ainda mais a fiscalização para se chegar àqueles que não se engajam na limpeza da cidade e saem por aí emporcalhando Goiânia e tascar-lhes uma multa bem salgada.

Na matéria de 1961, o prefeito é acusado de ficar encastelado em seu gabinete e assim não tomar conhecimento dos problemas da cidade. Numa matéria posterior, ainda no mesmo ano, foi divulgado que estava nos planos da prefeitura a industrialização do lixo de Goiânia e que caberia à prefeitura o recolhimento dos resíduos e a entrega deles a uma indústria. E tudo continua como dantes. Goiânia, cujo surgimento se deu para impulsionar o desenvolvimento de Goiás, para aumentar a produção econômica entre outros assuntos, correspondeu a essa expectativa. Virou uma cidade grande. Quase moderna. Para ser moderna, ela não deveria estar enfrentando um problema que a acompanha há décadas: má destinação do lixo que produz. Há muito dinheiro jogado no lixo. Dinheiro este que pode ser garimpado se a gestão realmente optar pela busca do caminho da sustentabilidade

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza

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