“Pai, e agora?”: o nepotismo que virou padrão no futebol

dorival

A cena foi rápida, mas reveladora. No auge do domínio argentino durante o jogo da Seleção, as câmeras flagraram Dorival Júnior e seu filho, Lucas Silvestre, trocando olhares esbugalhados à beira do gramado. A expressão de ambos traduzia a pergunta não dita: “E agora, fudeu?”. A cena, mais do que um momento de tensão técnica, expôs uma realidade cada vez mais comum no futebol: o nepotismo disfarçado de comissão técnica.

A questão central é simples: se Lucas não fosse filho de Dorival, qual seria a chance real de ele estar ali, na Granja Comary, participando ativamente dos treinos da Seleção Brasileira? O futebol parece ter criado uma nova categoria profissional: “filho de treinador”.

Os casos se multiplicam. Tite levou seu filho, Matheus Bachi, como analista de desempenho em todas as suas experiências recentes. Carlo Ancelotti tem Davide, seu filho, como braço direito no Real Madrid. Ramón Díaz fez do filho, Emiliano, seu quase co-treinador no Corinthians. Todos, claro, têm currículo. Todos, claro, são “competentes”. Mas quantos outros profissionais igualmente qualificados ficaram de fora porque não tinham o sobrenome certo?

A CBF permite a contratação de familiares, desde que “respeitados critérios de competência”. Só que, no futebol, esses critérios são tão subjetivos quanto um pênalti marcado no VAR. Enquanto isso, forma-se uma casta de “herdeiros” das comissões técnicas, onde o mérito parece ser, antes de tudo, um detalhe genealógico.

O pior é que, quando a coisa aperta – como no caso do Brasil x Argentina –, fica claro que o problema não é ter um parente na comissão, mas sim a dúvida sobre se ele está ali por merecimento ou por um acaso de nascimento. E aí, quando o time sofre, sobram aqueles olhares entre pai e filho, como quem diz: “Puxa, será que a gente devia mesmo estar aqui?”.

etc
A coluna Futebol Etc na edição impressa do Jornal de Brasília, nesta segunda-feira (31/3)
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