Do modernismo ao contemporâneo: arte e artistas na capital

clarice gonçalves repositório de pulsões óleo sobre tela 2020

cab brasília 65 anos

Desde sua concepção, Brasília bebe da fonte do modernismo. Reconhecida pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade, a capital impressiona com sua arquitetura inovadora, marcada por construções minimalistas e impactantes, amplas janelas para luz natural e linhas retas que compõem estruturas icônicas do movimento modernista em alta à época de sua fundação.

Mas, como cidade viva e influenciada por seus habitantes, Brasília evoluiu. Ao longo de seus 65 anos, moradores do Plano Piloto e das regiões administrativas abriram espaço para a arte contemporânea, ocupando o espaço público e trazendo representatividade ao cenário artístico local.

Galerias e espaços de exposição têm sido fundamentais para o incentivo a novos artistas, especialmente aqueles que antes não encontravam onde expor suas obras. Um exemplo é a Galeria Risofloras, iniciativa do coletivo Jovem de Expressão, que promove talentos da periferia e democratiza o acesso ao espaço urbano para a arte.

“A Risofloras nasce dessa necessidade de impulsionar jovens artistas periféricos, entendendo que muitos deles não conseguem espaço em grandes galerias. Suas obras, muitas vezes, são marginalizadas, não reconhecidas como arte. Perdemos muitos artistas por falta de visibilidade”, explica Rayane Soares, curadora do espaço criado em 2018.

Localizada em Ceilândia, a galeria realiza exposições mensais, ampliando o alcance de jovens artistas e incentivando a produção cultural em contextos periféricos. Em fevereiro de 2025, apresentou uma mostra com obras de adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas e se expressaram através da arte.

Outro desafio enfrentado pelos artistas locais é a ausência de formação em aspectos técnicos e institucionais exigidos pelo mercado da arte. Para suprir essa carência, o Espaço Contemporâneo Pé Vermelho, criado em 2017, oferece suporte a artistas que buscam desenvolver um pensamento crítico e estabelecer conexões no setor.

“As formações disponíveis no Centro-Oeste não contemplavam um espaço para o desenvolvimento de um pensamento crítico ou para aprender como se relacionar institucionalmente com curadores, galeristas, críticos e colecionadores”, afirma João Angelini, artista e idealizador do projeto.

Situado em um galpão no centro tradicional de Planaltina, o espaço foi adquirido com recursos da venda de obras de seus fundadores — João, Marcela Campos e Luciana Paiva — e do apoio de amigos que acreditavam na proposta de tornar a arte mais acessível.

Com uma abordagem diferente, o espaço deCurators, na Asa Norte, criado em 2014 pela artista visual Gisel Carriconde, foca em dar visibilidade a projetos de forma ágil e contínua. Em vez de exposições convencionais, promove mostras relâmpago, incentivando debates e a descoberta de novos talentos.

“O deCurators é um espaço pequeno, mas permite que artistas e curadores concretizem projetos. Muitas vezes, o financiamento para um trabalho pode levar anos para sair, e nesse tempo já estamos produzindo outras coisas”, explica Gisel.

A artista visual Clarice Gonçalves, que já expôs no deCurators, reflete sobre os desafios da carreira artística. Nascida e criada em Taguatinga, suas obras abordam sexualidade, maternidade e a relação do corpo com o ambiente. Com mais de 20 anos de experiência, ela destaca a dificuldade de inserção no mercado e os bastidores pouco comentados do setor.

“Expor no exterior firmou minha consciência de classe. O mercado de arte é muito mais movido por lobby e especulações financeiras do que pela relevância da obra. Meu objetivo é me comunicar com os meus e provocar reflexões que impactem a vida coletiva”, afirma Clarice.

Para muitos artistas periféricos, a arte é um ato de resistência em um sistema que pouco os incentiva. O multiartista Ricardo Caldeira, de São Sebastião, enfatiza essa perspectiva.

“A periferia não é só um espaço marginalizado; é um território ancestral, onde a presença de pessoas negras e indígenas carrega marcas do êxodo rural, dos quilombos e da diáspora africana. Fazer arte aqui é preservar e fortalecer esse tecido coletivo”, declara Ricardo.

A arquitetura icônica de Brasília também inspira artistas locais. O brasiliense Júlio César descreve como a cidade influencia seu trabalho.

“Nasci em Brasília. O céu aberto e a paisagem horizontal me marcaram. É uma cidade onde me conecto com pessoas de todo o país, absorvendo diferentes assuntos, sotaques, costumes e belezas”, conta o artista visual.

folhas de embaúba coloridas júlio césar arquivo pessoal
“Folhas de embaúba coloridas”, de Júlio César. – Foto: Arquivo pessoal

Ao longo dessas seis décadas e meia, Brasília tem sido lar, inspiração e reflexo de mudanças significativas no cenário cultural brasileiro. Porque, na arte, tudo está interligado.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.