
“É com extraordinária emoção, senhores membros da Câmara do Distrito Federal, que em nome do Brasil inicio as minhas despedidas. Sinto que o Brasil cresceu, que o Brasil não é mais o mesmo. É o encontro do Brasil de sempre com o Brasil novo, representado por Brasília”, trecho do discurso do então presidente Juscelino Kubitschek, descrito no seu livro “Por que construí Brasília”, ao se despedir do Rio de Janeiro em 20 de abril de 1960.
No dia 20 de abril de 1960, JK virava uma página da história do Brasil, ao encerrar o ciclo do Rio como capital do país, e inaugurar, no dia seguinte, Brasília como a nova sede dos Três Poderes do Brasil. No dia 20, Kubitschek desembarca no Planalto Central, e um pouco antes das 17h deixa o Catetinho com destino a Praça dos Três Poderes. “Brasília já não era mais um imenso canteiro de obras – era uma metrópole”, ressaltou o então presidente em sua obra “Por que construí Brasília”.
Começava enfim os preparativos para a inauguração de Brasília como nova capital do Brasil. O primeiro encontro foi entre JK e Israel Pinheiro, diretor da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), a qual foi encarregado de entregar as chaves da cidade para o presidente. O planejamento seguiu como esperado e às 23h30, do dia 20 de abril, JK, sua família, diretores da Novacap, visitantes – cerca de 300 mil – e operários se reuniram em frente ao Palácio da Justiça, na Praça dos Três Poderes, para a missa campal, a qual marcaria a inauguração oficial de Brasília.
Às 00h, do dia 21 de abril, durante a cerimônia religiosa, Brasília é inaugurada. O clima foi de emoção – com lágrimas nos olhos dos presentes -, marcando o fim de uma jornada heróica, a qual tornou a construção de Brasília real pelas mãos de JK e de tantos outros homens e mulheres, sejam conhecidos ou anônimos, que abraçaram o sonho da nova capital que nasceu ainda no período colonial – como visto no início desta série de reportagens.

A inauguração foi marcada por três dias de festa, tendo fim apenas na noite de 23 de abril. A festividade contou com baile de gala, corrida de carros no Eixo Monumental, celebração de missa – como já citado -, e cascata de fogos de artifícios. Sem dúvidas, foi uma festa digna da nova capital do Brasil, onde os olhares e holofotes do país – e até do mundo – fincaram em Brasília para nunca mais sair.
Os Três Poderes
Brasília é inaugurada em 21 de abril de 1960 incompleta do ponto de vista urbanístico, nem todos os prédios e edifícios projetados por Oscar Niemeyer estavam totalmente prontos. “JK não estava preocupado em deixar a cidade completa do ponto de vista urbanístico. Ele estava preocupado em criar as condições para a transferência dos Três Poderes”, salientou o historiador Elias Manoel da Silva.
Junto com Brasília, foram inaugurados o Eixo Monumental e a Praça dos Três Poderes, com os respectivos prédios: Palácio do Planalto (sede do Executivo), Supremo Tribunal Federal (sede do Judiciário) e Congresso Nacional (sede do Legislativo). Também encontrava-se pronto o Palácio da Alvorada, residência do presidente, inaugurado no dia 30 de junho de 1958. O local foi um dos primeiros edifícios a ficarem prontos em Brasília junto com o Catetinho (10 de novembro de 1956) e o Brasília Palace Hotel que foi inaugurado no mesmo dia do Alvorada.
A escolha da data, 21 de abril de 1960, não foi de JK, por ele teria mais tempo, inclusive para finalizar outras obras. Quem propôs a data, em projeto de lei em 1956 – que foi aprovado -, foi o deputado federal Emival Caiado de Goiás, em uma clara homenagem a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. O político era da oposição, mas a favor da transferência da capital para o interior.
Do dia que fincou a Estaca Zero, 20 de abril de 1957, – como visto ontem – até a inauguração de Brasília passou-se três anos de construção que também ficou marcada pela criação de estradas e rodovias, como as famosas Brasília-Anápolis (inaugurada em junho de 1958) e Belém-Brasília – (inaugurada em fevereiro de 1959), a qual foram importantes para ligar a nova capital ao restante do país.

O principal estava pronto, mas muitos edifícios também importantes não estavam finalizados, ou nem sequer tinham sido iniciadas as obras. Por conta disso, nos primeiros anos de Brasília, muitos órgãos administrativos seguiram em funcionamento no Rio de Janeiro.
As embaixadas, inclusive, permaneceram na cidade carioca, em alguns casos tendo representantes provisórios enviados à nova capital. O próprio Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, somente mudou para Brasília em 1970. Na prática, o Brasil teve entre 1960 a 1970 duas capitais. Monumentos como a Torre de TV de Brasília e Catedral Metropolitana de Brasília ficaram prontas apenas em 1967 e 1970, respectivamente.
A força dos candangos
“Brasília só pode estar aí, como a vemos, e já deixando entender o que será amanhã, porque a fé em Deus e no Brasil sustentou a todos nós, a esta família aqui reunida, a vós todos, candangos, a quais me orgulho de pertencer”, Juscelino Kubitschek no dia 20 de abril de 1960 ao receber as chaves de Brasília das mãos de Israel Pinheiro, diretor da Novacap. A frase é descrita no seu livro “Por que construí Brasília”.
Brasília não seria inaugurada em 21 de abril de 1960 – construída em três anos e meio – se não fosse a força dos operários, intitulados candangos, que se deslocaram de Minas Gerais, Goiás e, principalmente, do Nordeste – que migraram para Brasília fugindo da seca de 1958. JK não esqueceu deles no seu discurso ao receber as chaves da nova capital das mãos de Israel Pinheiro. E como esquecer? Afinal, aqui eles fincaram raízes.
Os primeiros operários a chegarem no Planalto Central, na metade de 1956, não possuíam locais apropriados para moradia, sendo abrigados nos galpões da Novacap. Em 19 de dezembro de 1956, surge a Cidade Livre, conhecida hoje como Núcleo Bandeirante, autorizada por JK. Em um diálogo à porta porta do carro presidencial, um candango indagou Kubitschek se o povo poderia construir casas naquele local. O presidente respondeu que sim, mas que não poderiam invadir o Plano Piloto.
“Recebeu esse nome de Cidade Livre porque era uma cidade livre de impostos, justamente para as mercadorias serem mais baratas para abastecer os operários e suas famílias. A ideia era que fosse um polo provisório e que passada a construção os operários voltariam para as suas cidades de origem e não ficariam na capital”, explicou a historiadora do Arquivo Público, Cecília Mombelli.
Sabe-se que os operários fizeram justamente o contrário, não foram embora e fincaram raízes na Cidade Livre, que permaneceu e tornou-se cidade-satélite do Distrito Federal com novo nome: Núcleo Bandeirante. Mas no início, essas ocupações foram chamadas de invasões, pelo fato de estarem ocupando uma área pública, pertencente à União.

Cenário econômico
Brasília tornou-se uma potência, e o governo de JK (1956-1961) representou um marco na história do Brasil, principalmente pela construção da nova capital. A gestão foi marcada por transformações e avanços no processo de industrialização e modernização do país.
O famoso lema “50 anos em 5”, marcou o governo JK com desenvolvimento, tendo, principalmente, entregue a tão sonhada Brasília. Mas também resultou em uma instabilidade econômica para o país, com endividamento do governo e inflação alta. Brasília demandou muitos investimentos públicos, para que a cidade fosse possível foi feito, inclusive, empréstimos internacionais.
Para o historiador Elias Manoel da Silva, Brasília não foi um gasto, mas sim um investimento. “É um endividamento com caráter de investimento. Definimos um endividamento quando não tem efeitos colaterais positivos para a economia, mas Brasília trouxe e traz retorno para o país”. A capital criou um elo entre todo o país e cumpriu com a sua missão de desenvolver o interior do Brasil.