Cronologia e classificação de atos são base de denúncia de trama golpista sob Bolsonaro

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ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) que liga Bolsonaro à liderança de uma trama golpista foca na cronologia de ações acentuadas a partir de 2021 para sustentar a tese de que esses atos já eram a execução de uma tentativa de golpe em curso.

O procurador-geral Paulo Gonet cita cinco vezes no documento que fundamenta a denúncia o termo “atos executórios”, indicando que ações, como a de desacreditar as urnas, já punham em marcha crimes passíveis de punição desde a tentativa, como abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de estado.

A denúncia foi apresentada na terça-feira (18) ao STF (Supremo Tribunal Federal). Além de Bolsonaro, outras 33 pessoas foram denunciadas.

O ex-presidente é acusado dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, de dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado e participação em uma organização criminosa.

A defesa do ex-mandatário afirma que não há elementos na peça da PGR que o conecte à “narrativa construída” e disse ter recebido com “estarrecimento e indignação” a denúncia.

A acusação de Gonet demove a tese -já defendida por bolsonaristas- de que ações como o 8 de janeiro seriam atos isolados e afasta a interpretação de que outras -como o plano de assassinato de autoridades- seriam atos preparatórios não passíveis de punição.

A ideia já foi defendida pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que afirmou que “pensar em matar não é crime”. Ele disse isso ao comentar operação de novembro da Polícia Federal que mirou um plano de assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo.

A argumentação do senador tenta se apoiar em uma discussão jurídica sobre a diferença entre atos executórios e atos preparatórios, a fim de buscar vantagens para Bolsonaro.

A diferença entre os termos jurídicos é importante porque, salvo exceções, atos preparatórios costumam não ser puníveis.

Ricardo Yamin, advogado criminalista e doutor em direito, explica que os termos se relacionam com o iter criminis, “o caminho do crime” que passa por fases de cogitação, ato preparatório, ato executório e consumação.

“A cogitação é nada mais do que você começar a imaginar a execução do crime. O ato preparatório é começar a preparar questões atinentes para a execução. O ato executório é pôr em andamento o plano, e a consumação é o resultado.”

Ele interpreta que o PGR já teve o cuidado de destacar na denúncia os atos como executórios sabendo que a discussão poderia vir à tona.

Para Yamin, a peça do procurador revela que “claramente já havia um plano de golpe em execução” por meio da cronologia de fatos levantada a partir de documentos produzidos pelos próprios denunciados.

Segundo Maíra Fernandes, advogada criminal e professora da FGV-Rio, Gonet sustenta na peça que diferentes “ações fazem parte de um ato executório com o objetivo de tentar abolir o Estado democrático de Direito”.

O procurador-geral fundamenta a tese por meio de documentos que tratam de uma cadeia de eventos que se relacionam com o objetivo maior do grupo de manter Bolsonaro no poder.

Nesse contexto, falas contra as urnas, a operação da Polícia Rodoviária Federal em dia de eleição, o 8 de janeiro e o plano para matar autoridades vêm a reboque de um plano já em andamento: o de dar um golpe de Estado, fato não ocorrido em razão da resistência de parte das Forças Armadas.

“A natureza estável e permanente da organização criminosa é evidente em sua ação progressiva e coordenada, que se iniciou em julho de 2021 e se estendeu até janeiro de 2023. As práticas da organização caracterizaram-se por uma série de atos dolosos ordenados à abolição do Estado democrático de Direito e à deposição do governo legitimamente eleito”, aponta Gonet na peça.

Segundo a PGR, “a complexidade da ruptura institucional demandou um iter criminis mais distendido, em que se incorporavam narrativas contrárias às instituições democráticas, a promoção de instabilidade social e a instigação e cometimento de violência contra os Poderes”.

Juliana Izar Segalla, doutora em direito constitucional pela PUC-SP e professora da Uenp (Universidade Estadual do Norte do Paraná), afirma que, ao se apoiar em um conjunto concatenado de fatos, a denúncia aponta que a tentativa de golpe ocorreu mesmo com a não execução do plano de matar as autoridades.

“Entende-se que falar mal das urnas, por exemplo, já era um ato executório porque já fazia parte dessa tentativa da abolição do Estado Democrático de Direito, e o mero fato de tentar isso já é um crime”, afirma.

Alguns atos executórios voltados ao golpe de Estado, segundo a PGR:
– Descrédito do sistema eleitoral em lives, entrevistas e discursos
– Utilização indevida da Abin
– Ataques a ministros do STF e do TSE
– Ação da Polícia Rodoviária Federal no dia das eleições
– Minutas de quebra da ordem institucional
– Apoio de insurreição de autoridades militares
– Plano para matar autoridades

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