Martha Nowill lança livro sobre virar mãe de gêmeos na pandemia

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

No dia 2 de julho de 2020, mês cinco da pandemia de Covid-19, Martha Nowill fez algo de que não se orgulha. “Em questão de segundos, eu estava fora do carro, no meio da avenida Angélica, gritando com ele pela janela. Não satisfeita, executei um grand finale, levantando o dedo do meio na direção do carro e vociferando: ‘Vai tomar no cu, seu filho da puta!'”

Ela voltava do laboratório, onde havia ido buscar os potinhos para o exame de fezes que a obstetra pediu. Luiz, o pai dos gêmeos que lhe inchavam a barriga, não parava de falar sobre como a gestação podia ser puxada, lembrava bem como tinha sido a da ex-mulher.

Martha surtou. E não pela última vez durante a gravidez de Maximilian e Benjamin, hoje com quatro anos. “Está claro para mim que aquela louca gritando no meio de uma avenida em São Paulo não era eu”, ela rememora em “Coisas Importantes Também Serão Esquecidas”, livro em formato de diário que lança pela Companhia das Letras, com suas lembranças sobre a gestação e o primeiro ano dos filhos.

Então com 39 anos, a atriz e escritora atravessava um redemoinho hormonal, primeiro grávida, depois puérpera. Um momento tranquilo para isso: passávamos todos pela maior crise sanitária do século, acossados por uma roleta de medos. De perder trabalho, tempo, vida. Ou vidas, no plural. De repente Nowill se percebeu “três pessoas ao mesmo tempo”. Que loucura. Gêmeos!

Spoiler: um dia Nowill se dará conta de que Max e Ben “não vão morrer, vão viver e ser felizes e vamos dançar juntos na sala de casa e, mais para a frente, eles vão passar cola na escola e, às vezes, acordar de ressaca e se alimentar de miojo com manteiga”.

Esse dia vai chegar, mas até lá acompanhamos os dilemas de uma atriz que já havia interpretado tantas mães na carreira, e que agora tentava se ajustar ao papel de “mulher mais importante do mundo” para seus meninos.

Nowill fala à reportagem sobre como esses processos “deixam tudo muito à flor da pele, com muita urgência e com a sensação de que aquilo vai durar para sempre”. As cólicas do recém-nascido, o pavor de não produzir leite o bastante para nutrir sua prole, a carga mental familiar a tantas mulheres, mesmo em lares onde seus companheiros dividem as tarefas domésticas -a logística acaba ficando mais sob responsabilidade delas, de administrar o estoque de fraldas a marcar os médicos da criança, gastando “tempo, energia e HD que poderiam estar sendo usados em outro lugar, como na carreira da mulher”.

A autora aprenderá a lição de que nada dura para sempre, “que a cada dia os problemas mudam, e os erros também”. Também ela vai se transformando, num “moonwalking” emocional que envolve estar ao mesmo tempo apaixonada pelos filhos e saudosa “dos meus outros amores”: o trabalho, o namoro, os amigos, a “minha oitava taça de espumante da noite, aquela que eu não deveria ter tomado e que me levou às latas de cerveja quente quando todas as outras bebidas da festa já tinham acabado”.

Em seu apartamento, na mesma avenida onde mandou o marido ir tomar naquele lugar quase cinco anos atrás, num acesso hormonal de raiva, a atriz lembra que cogitou abrir mão da maternidade por temer prejuízos à carreira. Viu muita colega atravessar um deserto profissional após parir. “Tem um certo machismo, né? Chamar a mãe é problema, porque ela não vai ter com quem deixar [o filho], e como é que ela vai filmar de madrugada?”

Nowill, na verdade, sentiu-se mais capaz do que nunca nessa fase. “Eu falava assim: gente, se eu posso amamentar esses dois bebês, ficar 20 noites sem dormir, eu posso tudo. Posso fazer um filme turco agora, de ponta-cabeça, entendeu? Depois eu tive uma overdose de autoestima, otimismo e coragem.”

Aqueles primeiros anos eram sui generis, já que a pandemia paralisou sets de filmagem mundo afora. No diário, ela narra seu empenho para, visivelmente grávida, continuar no elenco da série “5x Comédia”, adaptação da franquia teatral homônima. O jeito foi transformar sua personagem numa gestante de seis meses, quebrada financeiramente, que resolve fazer sexo virtual para pagar os boletos.

A diretora é uma mulher, Monique Gardenberg. Não é mera coincidência. A visão feminina tem dado frutos em seu ofício. “O fato de termos mais roteiristas e diretoras mulheres é o pulo da gata”, ela diz, rindo do trocadilho que fez. “Quando comecei a atuar, aos 17 anos, era sempre assim: [interpretar] a namorada ou a prima do personagem, ou alguma coisa relacionada a um homem, em 90% das vezes.”

A mãe de dois meninos torce para que seu livro, seu primeiro, não se restrinja ao público feminino. “Queria muito que os homens lessem.”

Também tem dificuldade em enquadrá-lo como uma obra sobre maternidade, e que portanto interessa sobretudo a mães. É isso e muito mais, ela diz.

“Tem um jogo de papéis no diário que não foi intencional, e que eu acho que é uma das coisas mais interessantes. É a minha relação com vários papéis que não são os de atriz.” Nowill se vê como mãe, filha, neta, bisneta, enteada, madrasta. E ainda como mulher, esposa, atriz e uma brasileira preocupada com os rumos políticos do país, àquela altura sob comando de Jair Bolsonaro (PL).

A certa altura, ela confessa seu horror a coisas quebradas. O abajur de porcelana chinesa que era da sua bisavó e um ex-marido quebrou, o vidro cheio de perfume francês que o gato derrubou. “São como interrupções inesperadas, finais precoces.”

Reflete sobre a morte nesse momento. Mas em vários outros celebra as vidas que bailavam dentro da sua barriga se ela colocava “Something Stupid”, cantada por Frank e Nancy Sinatra, pai e filha, para tocar. “É como se eu tivesse marcado um encontro às cegas e já gostasse dos meus pretendentes antes de conhecê-los. Penso neles e choro de alegria.”

A entrevista se encerra pouco antes de ela precisar sair para buscar Max e Ben. Era o primeiro dia deles na nova escola. Se antes parecia que tudo durava para sempre, agora parece também que o tempo passa rápido demais.

COISAS IMPORTANTES TAMBÉM SERÃO ESQUECIDAS
– Preço R$ 89,90 (224 pág.); R$44,90 (ebook)
– Autoria Martha Nowill
– Editora Companhia das Letras

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