Governador do Rio Grande do Sul e da Guanabara, sustentáculo para João Goulart tomar posse em 1961, apontado como um dos civis mais perigosos pela ditadura civil-militar, que teria planejado matá-lo, o engenheiro Leonel de Moura Brizola (1922-2004 — viveu 82 anos) talvez seja uma incógnita para a historiografia. Parece mais comentado do que explicado e compreendido.
Militares mais ortodoxos, mas não apenas os da linha dura, consideravam Brizola como comunista. Não era. Nunca foi. Na verdade, o gaúcho de Carazinho, casado com Neusa Goulart, irmã de João Goulart, era nacionalista. Mais precisamente, socialdemocrata. Um trabalhista mais avançado, digamos, do que Getúlio Vargas e Jango Goulart.
Mesmo na década de 1960, quando se radicalizou, Brizola queria a extinção do capitalismo e sua substituição pelo socialismo? Não parece.
A imagem de comunista talvez tenha seja sido motivada porque, depois do golpe de Estado de 1964, que gestou uma ditadura de 21 anos — terminada apenas em 1985, há 40 anos —, recebeu dinheiro de Cuba para tentar derrubar a ditadura.

Conta-se que Brizola “roubou” dinheiro de Cuba e que Fidel Castro o teria chamado de El Ratón. Na verdade, o gaúcho que se acariocou, não se apossou da grana dos comunistas da famosa ilha. Distribuiu o dinheiro para formatar a guerrilha e para garantir a sobrevivência daqueles que o acompanhavam, como o político, antropólogo e escritor Darcy Ribeiro.
Brizola era um político dos mais raros. Era decente e suas preocupações sociais eram genuínas. Assim como as de seu Sancho, notável Darcy Ribeiro, criador do Cieps.
Fala-se, inclusive seu biógrafo mais recente, que a ditadura impediu Brizola de ser presidente. Penso diferente. Afinal, ele foi candidato duas vezes, em eleições limpas, com nenhuma influência dos militares, e perdeu.
Na verdade, quem “matou” Brizola politicamente, em termos de Presidência da República, não foi a ditadura nem os militares. Foi Lula da Silva, do PT, que ocupou seu espaço na esquerda e, cada vez mais, na centro-esquerda.

A filha de Brizola que a Justiça não reconhece
Dada a ambiguidade na avaliação de Brizola, precisa-se de biografias do político. Leia de novo: biografias. É importante que se mostre nuances, interpretações variadas de um político tão importante quanto complexo.
Biógrafa excepcional de Samuel Wainer, a jornalista Karla Monteiro está preparando, para a Companhia das Letras, um amplo estudo da vida de Brizola.
O jornalista gaúcho Cleber Dioni Tentardini saiu na frente de Karla Monteiro e lançou este mês o livro “No Fio da História — A Vida de Leonel Brizola” (D’fato Editora, 294 páginas).
Não li o livro, lançado na quinta-feira, 13, por isso me baseio em dois textos: “Biografia desfaz mitos e revela histórias inéditas sobre a vida de Leonel Brizola” (https://tinyurl.com/mr4yd8h4) e “No fio da história: entrevista de Cleber Dioni Tentardini” (https://tinyurl.com/r326usfv). Vale a pena consultar a resenha, feita por Gilson Camargo, e a entrevista, feita pelo crítico literário Luís Augusto Fischer, que são ótimas.
O livro do jornalista Cleber Dioni relata que Brizola tem uma filha viva, o que foi comprovado por um exame de DNA, mas a Justiça até hoje não admitiu o fato provado pela ciência.

De acordo com Gilson Camargo, o livro de Cleber Dioni “é uma mais das mais completas e minuciosas biografias do líder político”.
“O livro traz recortes da atuação política de Brizola que tratam dos boicotes que ele sofreu nos noticiários do principal jornal da família Marinho [“O Globo”] e de como o governo americano monitorava a vida do líder trabalhista”, anota Cleber Dioni. A CIA não saía de seu encalço, possivelmente por causa de sua ligação, na década de 1960 — e cortada depois disso —, com Fidel Castro, o “rei” de Cuba.
“Com exceção da rede de jornais ‘Última Hora’, a imprensa nunca aceitou Brizola. Se a primeira fase de sua vida pública, teve a oposição acirrada dos Diários Associados, na segunda, no Rio de Janeiro, o Grupo Globo não lhe deu um minuto de sossego”, disse Cleber Dioni a Luís Augusto Fischer.
A encampação da companhia de energia elétrica no Rio Grande do Sul, quando Brizola era governador, ganha nova versão.

Há quem postule que Brizola era mais político, de matiz “populista”, do que gestor. Não é o que apurou Cleber Dioni. “Era um gestor, um planejador, um realizador, tudo isso temperado por uma capacidade de trabalho descomunal e uma refinada sensibilidade para a questão social”, assinala o biógrafo.
A resenha do “Brasil de Fato” frisa, citando o biógrafo, que Brizola “revolucionou a educação e sempre priorizou os direitos humanos, a habitação e a questão fundiária”.
Brizola fugiu da ditadura vestido de militar
Em 1964, com a fuga de Jango Goulart para o Uruguai, os militares começaram a caçada a Brizola. Para prendê-lo e, tudo indica, assassiná-lo.
O biógrafo revela, segundo “Brasil de Fato”, que “Brizola escapou do cerco dos militares em 1964 usando uma farda de brigadiano (policial militar) que conservou como um souvenir de guerrilha quando se refugiou em sua estância no Uruguai”. Portanto, não estaria vestido de mulher, como se chegou a dizer.

O biógrafo conseguiu um feito: encontrou “a histórica metralhadora com” a qual “o governador gaúcho se movimentava no Palácio Piratini durante o movimento da Legalidade”, em 1961. João Goulart assumiu o governo devido à reação organizada — armada — por Brizola.
A Luís Augusto Fischer, Cleber Dioni relata que conversou com uma sobrinha, filha de Iraci (irmão mais velho do político), que foi criada como irmã de Brizola. Encontrou fotos de quando o ex-governador tinha 12 e 14 anos. Entrevistou vários de seus parentes.
Cleber Dioni diz que, quando jovem, Brizola trabalhou como jardineiro no Parque Farroupilha. Depois, se tornou operário numa fábrica de Ildo Meneghetti, mais tarde seu adversário político.
O político nasceu quando Brizola entrou para a Ala Moça do PTB. Lá conheceu e se tornou amigo de Sereno Chaise, que o apresentou a Neusa Goulart, “uma jovem linda, filha de um dos maiores estancieiros de São Borja”. O mesmo Chaise pôs Brizola em contato com João Goulart.
Por que João Goulart e Brizola romperam? O biógrafo afirma, na entrevista a Luís Augusto Fischer: “O rompimento com Jango ocorreu aos poucos, tendo iniciado no final da Campanha da Legalidade, quando o cunhado aceitou o regime parlamentarista, imposto pelos militares, e a partir daí o desgosto com o governo Goulart só aumentou”.
Curiosamente, para os aliados, como Brizola, o governo de João Goulart era por demais “moderado”. Para a direita civil e militar, era radical, praticamente “comunista”, o que, na realidade, nunca foi. Jango era um estancieiro, muito rico, que, em termos políticos, era de centro, talvez não fosse nem de centro-esquerda. Era nacionalista. Talvez fosse adepto de um capitalismo mais inclusivo e, também, moderno.
(Brizola, um político do barulho, nasceu no ano da Semana de Arte Moderna, em 1922. Por assim dizer, era uma espécie de Oswald de Andrade da política.)
Leia mais sobre Leonel Brizola e Cuba (https://tinyurl.com/4wpj9atr).
O post Biografia revela: Brizola fugiu da ditadura disfarçado de brigadiano e Justiça não reconhece sua filha apareceu primeiro em Jornal Opção.