‘Guardiões das Águas’ protege nascentes e transforma vidas

Em meio à crescente preocupação com a segurança hídrica, uma iniciativa nascida na Bahia emerge como farol de esperança. Desde 2015, o Projeto Guardiões das Águas, nos Rios Joanes e Jacuípe, já recuperou, na primeira etapa, 113 hectares de vegetação nativa, protegeu 104 nascentes e transformou a vida de 319 famílias agricultoras, investindo R$ 8,2 milhões ao total. Mas os números, por mais expressivos que sejam, não contam tudo. A história passa também pelas mãos de Sandra de Santana, conhecida como Lôra, líder quilombola do Dandá, comunidade de 250 anos que habita as margens do Rio Itamboatá, afluente do Joanes.“Antes, o rio era só lazer. Hoje, colhemos frutas e piaçava para fazer vassouras. Virou sustento”, conta Lôra, se referindo aos 7,3 hectares de terra onde 12 mil mudas — entre nativas e frutíferas — brotam como testemunhas de um pacto entre tradição e inovação. O Quilombo Dandá é um dos protagonistas do Guardiões das Águas, iniciativa coordenada pela Embasa em parceria com UFBA, SEMA, Inema, INCRA, prefeituras e empresas privadas. A comunidade, que já protegeu 13 nascentes e instalou 3,2 mil metros de cercas, personifica a missão do projeto: transformar agricultores em guardiões ambientais.Iniciado com recursos do Fundo Socioambiental da Caixa de R3,62 milhões, e contrapartida da Embasa de R$ 740 mil, o projeto nasceu para garantir a segurança hídrica da Região Metropolitana de Salvador — os rios Joanes e Jacuípe, que abastecem juntos 35% da capital baiana. A primeira fase, entre 2015 e 2022, priorizou a regularização ambiental de propriedades rurais, o reflorestamento e a implantação de tecnologias sociais. “Não se trata apenas de recuperar nascentes, mas de criar uma rede de defensores ambientais”, explica o gerente socioambiental da Embasa, Fabrício Tourinho.Com isso, os resultados são tangíveis: 84 agricultores recebem Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) para manter áreas recuperadas, 40 oficinas capacitaram comunidades em práticas sustentáveis, e 78 fossas sépticas ecológicas — fruto de parcerias com Coca-Cola e Minalba — reduziram a contaminação dos rios. “A manutenção das áreas agora é feita pelos próprios agricultores, com assistência técnica e incentivo financeiro”, destaca  o analista ambiental da Embasa, Evanildo Lima.O plantio de árvores em áreas de recarga também é essencial para a proteção dos mananciais. “A cobertura vegetal diminui a velocidade das águas da chuva, forçando sua infiltração no solo e reduzindo o escoamento superficial. Isso resulta em mais água e de melhor qualidade para os rios Joanes e Jacuípe, que abastecem a RMS”, destaca o gerente de Mananciais da Embasa, Lúcio Landim.Outro pilar do projeto é a realização de oficinas de educação ambiental que, segundo Landim, vão além da conscientização e promovem a troca de saberes entre técnicos e comunidades. Com temas escolhidos pelos próprios agricultores, as oficinas abordam desde a importância das Áreas de Preservação Permanente (APPs) até técnicas de plantio sustentável.“As oficinas são um espaço de diálogo e aprendizado mútuo. Os agricultores trazem seus conhecimentos tradicionais, e nós complementamos com informações técnicas. É uma troca que enriquece a todos”, constata o gerente.Saneamento que gera frutosSe a educação e reflorestamento são a alma do projeto, o saneamento rural simplificado é seu coração. Em propriedades como a de Valmir Francisco dos Santos, próximo à barragem de Santa Helena, as fossas sépticas ecológicas (FSE) substituíram os precários “sumidouros”. “A água tratada irriga nossas árvores. Antes, tudo poluía”, relata Valmir. Cada FSE, composta por três bombonas de 200 litros, trata esgoto doméstico por decomposição anaeróbia (decomposição da matéria orgânica feita por micro-organismos), evitando que dejetos contaminem lençóis freáticos.Até junho, mais 90 unidades serão instaladas, ampliando um sistema que já beneficia dezenas de famílias. “As fossas não só protegem o meio ambiente, mas ressignificam o quintal como espaço produtivo”, complementa o gerente da Unidade Socioambiental da empresa, Thiago Hiroshi.PSA e a Segunda FaseA aposta no Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) revela a ambição de longo prazo do projeto. Mas esse é o grande desafio do projeto. Segundo o gerente de Mananciais da Embasa, Lúcio Landim, a empresa precisa fechar parcerias com prefeituras e indústrias por meio do PSA, que é um mecanismo que busca recompensar aqueles que contribuem para a preservação do meio ambiente. Segundo ele, trata-se de um sistema de troca de benefícios, que acaba reduzindo os custos com a implantação do projeto e, por isto, aumenta seu alcance e impactos.Para comunidades como o Dandá, o PSA é mais que um incentivo financeiro: é reconhecimento. “Já cuidávamos da terra por herança. Agora, temos apoio para transformar cuidado em sustento”, reflete Lôra, cuja comunidade estuda comercializar o excedente das colheitas. O projeto, premiado em 2023 pelo Bahia Sustentável, mostra que é possível aliar produtividade e preservação.“São muitos os benefícios dessa iniciativa. É importante para o meio ambiente, para aumentar a disponibilidade hídrica na região do entorno dos rios Joanes e Jacuípe, para contribuir com o desenvolvimento das comunidades rurais e dos agricultores familiares, além de proteger as Áreas de Proteção Permanente (APPs), ressalta Landim. Ele conta, ainda, que a segunda fase do projeto já está em fase de licitação e deve iniciar em três meses. Essa nova etapa contará com um investimento de R$ 4,46 milhões. “O foco será expandir ações de educação ambiental, recuperação de estradas e implementação de novas tecnologias. Também iremos instalar mais 50 poços sépticos, além dos 78 que já fizemos na primeira etapa”, explica.Enquanto Lôra colhe açaí às margens do Itamboatá, Valmir observa as árvores irrigadas pela fossa ecológica, e Lúcio Landim planeja a expansão do PSA, uma pergunta ecoa: qual o verdadeiro valor da água? Para o Guardiões das Águas, a resposta está na sinergia entre saberes.Neste projeto, cada muda plantada, cada fossa instalada e cada oficina ministrada são sementes de um futuro em que os rios não secam, comunidades prosperam e a água — assim como o conhecimento — flui em ciclo contínuo. Como também reforça Lôra: “A natureza é o nosso parente mais antigo. Cuidar dela é honrar nossa história”. E, nessa história, cada gota conta”.Ações em saneamento básico e abastecimento de água em toda a BahiaEntre as principais iniciativas, destacam-se:· Ampliação e modernização dos sistemas de abastecimento de água em municípios como Luís Eduardo Magalhães, Camaçari, Paulo Afonso, Anagé/Maetinga/Jânio Quadros e Feira de Santana;· Expansão dos sistemas de esgotamento sanitário em cidades como Senhor do Bonfim, Iraquara, Capim Grosso e Ilhéus;· Projeto de reúso de efluentes sanitários, com iniciativas voltadas para a agricultura e a indústria, como nos municípios de Vitória da Conquista, Itaberaba e Luís Eduardo Magalhães;· Projeto Guardiões das Águas dos Rios Joanes e Jacuípe, voltado para a recuperação ambiental e educação ambiental de pequenos produtores rurais;· Monitoramento por telemetria de pressão e vazão da rede distribuidora de água de forma a evitar/minimizar que pressões elevadas possam gerar vazamentos;· Substituição de redes e ramais de distribuição de água, já desgastados pelo tempo de uso, por materiais mais modernos e que minimizem a ocorrência de vazamentos;· Expansão do serviço de pesquisa de vazamentos não visíveis, com a utilização de tecnologias comoradar orbital/inteligência artificial;· Atualização e modernização do parque de hidrômetros de forma a permitir uma melhor precisão na apuração dos consumos dos clientes;· Intensificação de atuação dos contratos de combate a fraudes de forma a evitar o uso irracional da água;· Implantação de contratos de redução de perdas de água com remuneração por performance.
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